A saudade de algo que quase nem existiu
A primeira coisa que fiz quando meu pai morreu foi olhar pro céu. Não sei por quê. Talvez porque eu tivesse essa mania de achar sentido nas coisas que não dizem nada. E o céu, por exemplo, sempre esteve lá, mas nunca me respondeu. Naquele dia, ele estava azulzinho, sem nuvens. Um céu de domingo que não fazia ideia do fim.
Meu pai morreu em silêncio. Nos últimos dias, não dizia nada. Nem piscava, nem se mexia, nada. E doía porque eu tinha essa imagem dele tão barulhento, especialmente na época em que bebia muito. Nos últimos anos, é bem verdade, ele estava em absoluto silêncio: sem beber, sóbrio, com uma tristeza no olhar, daquelas que se vê quando alguém passa a vida a limpo. Ali, naquele quarto de hospital, eu nem mais o reconhecia. Ele parecia um menino com medo num corpo cansado e envelhecido. E eu o perdoei. Deixei de brigar com ele dentro de mim.
No velório, alguém perguntou se eu queria dizer algo. Balancei a cabeça. Não consegui. Mas escrevi depois. Escrevi como se cada palavra fosse um modo de reorganizar a tristeza. E talvez seja mesmo. A saudade que sinto do meu pai não é simples. Não é fotogênica. É a saudade de algo que quase nem existiu. Mas quando existiu doeu bonito. Tipo aquela vez em que ele me chamou de "filho” depois de anos em silêncio. Ou quando sorriu quando fui promovido no trabalho. Ou ainda, quando, já debilitado, me pediu desculpa sem dizer uma palavra. Só com o olhar.
Semana passada, choveu. E pela primeira vez em meses, vi uma nuvem com o contorno do rosto dele. Ou talvez fosse só uma invenção minha, o céu também pode ser uma tela onde a gente projeta saudade e vontade de abraço. Apontei pro céu e falei: “Achei você, pai.” Acho que ele sorriu. Ou fui eu.
Eu sorri daqui. <3